Operação policial desmonta mais uma célula criminosa controlada por detento, expondo o controle falho do sistema prisional e a urgência de uma reforma radical
Por Samir Machado
A Polícia Civil de Mato Grosso deflagrou, nesta quarta-feira, 13 de novembro de 2025, uma operação de grande porte para desarticular um grupo criminoso especializado em tráfico de drogas. O fato mais chocante da investigação, porém, não é o volume de entorpecentes ou o sequestro de bens, mas sim a liderança do esquema: um detento que chefiava a rede de distribuição de dentro de uma cadeia estadual, na região Norte de Mato Grosso.
Esta notícia, que se soma aos recentes casos de sequestro para "disciplina" e de controle de garimpo ilegal pelo crime organizado (Comando Vermelho) no estado, não é apenas um relatório de segurança pública; é a sentença de falência do atual modelo de gestão prisional de Mato Grosso. O Estado perdeu a guerra para a facção justamente no local que deveria ser o de sua força máxima: o cárcere.
O Círculo Vicioso da Impunidade no Cárcere
A investigação aponta que o detento preso, cujo nome não foi divulgado, usava a cadeia como QG operacional para coordenar a logística do tráfico de drogas. Essa realidade não é novidade em Mato Grosso, conforme demonstram operações anteriores, como as que desarticularam o tráfico na Penitenciária Mata Grande, em Rondonópolis, ou as diversas apreensões de celulares, armas e até drones que tentam abastecer os presos.
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A Chefia de Dentro: O detento, usando meios eletrônicos ilegais introduzidos no sistema, ditava as ordens para a compra, armazenamento e distribuição da droga nas ruas, lucrando milhões e fomentando o crime organizado fora das muralhas. A ironia é que a pena de prisão se transforma em garantia de segurança e centralidade para o líder criminoso.
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O Elo Financeiro: O tráfico de drogas é a principal fonte de financiamento do Domínio Social Estruturado (DSE) das facções, que usam esse dinheiro para comprar apoio, armas e manter seu sistema de "justiça" paralelo — como o caso de sequestro em Várzea Grande, amplamente noticiado nesta semana.
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Corrupção e Infiltração: O sucesso contínuo dessas operações de dentro do cárcere só pode ser explicado por duas hipóteses: fragilidade crônica do sistema de monitoramento ou, o que é mais grave, infiltração e corrupção de agentes públicos. Sem a conivência, ativa ou passiva, a logística de comunicação e comando seria inviável.
Opinião: Sem Prisão de Fato, o PL AntiFacção É Letra Morta
A operação desta quarta-feira, embora meritória no trabalho de investigação da Polícia Civil, sublinha a tese fundamental: o Brasil prende mal e pune pior. De que adianta aprovar o Projeto de Lei AntiFacção (PL 5.582/2025) — que propõe o crime de Domínio Social Estruturado e endurece o combate à facção —, se o principal comandante do esquema opera o crime com tranquilidade de dentro da própria cadeia?
A legislação pode ser mais dura, mas sua aplicação se torna letra morta se o sistema prisional não garantir o isolamento efetivo e o rompimento da comunicação dos líderes. O caso de Mato Grosso escancara que as cadeias, em vez de serem o instrumento de repressão ao crime, se tornaram o berçário e o escritório central da facção.
A urgência não está apenas em aprovar o PL, mas em exigir do Governo de Mato Grosso um plano de choque para o Sistema Penitenciário. Isso inclui:
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Isolamento de Lideranças: Uso rigoroso e não negociável do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e transferências imediatas para presídios federais, com bloqueio total de visitas íntimas e comunicação.
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Tecnologia de Bloqueio: Investimento maciço em body scanners, bloqueadores de celular e sistemas de vigilância que impeçam a entrada de eletrônicos.
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Fiscalização Rigorosa: Investigação célere e punição exemplar dos agentes penitenciários que, comprovadamente, facilitam a comunicação e o acesso de materiais ilícitos.
O Congresso e a Assembleia Legislativa devem olhar para os detentos-chefes em Mato Grosso e entender que a eficácia do PL AntiFacção depende da reforma prisional. Se a detenção não for sinônimo de isolamento, o líder criminoso continuará gerando ordens de sequestro (como em Várzea Grande) e financiando o terrorismo ambiental (como no garimpo) de dentro da "prisão". É uma questão de soberania e de compromisso com a sociedade: a cadeia precisa parar de ser o quartel-general do crime organizado.


Polícia apreendeu uma grande quantidade de dinheiro — Foto: Reprodução





